Há 20 anos, a Dinamarca ocupa o primeiro
lugar no ranking dos países menos dcorruptos, elaborao pela ONG Transparência
Internacional. Sob o nosso olhar, um conto de fadas: mercados e livrarias não
precisam de atendente para cobrar o pagamento dos produtos vendidos, as pessoas
fazem isso espontaneamente. Crianças andam pelas ruas sem grandes riscos,
políticos se locomovem a pé ou de transporte público e a polícia é uma
instituição confiável. Já a 9.669 quilômetros dali, está o Brasil, a “terra do
jeitinho”, que ocupa a 79ª posição no mesmo levantamento e atravessa alguns
escândalos de corrupção.
Paulo
Niccoli Ramirez, doutor em Ciências Sociais e professor da Fundação de
Sociologia e Política de São Paulo, explica que esse cenário surgiu no período
da colonização, em 1530, quando o pensamento de fazer o menor esforço possível
chegou com os colonizadores, o que deu lugar à “cultura do jeitinho”. “Os
países nórdicos têm um pensamento coletivo, o Brasil não. Em uma discussão no
Brasil alguém vai falar “você sabe com quem está falando?, reflexo de
desigualdade e nepotismo. Se fosse na Inglaterra, talvez a pessoa dissesse
“quem você acha que é para falar assim comigo?”, prova de que ninguém pode
quebrar a ordem social”, comenta.
Para o especialista, características de uma sociedade
individualista são perceptíveis em comportamentos e condutas simples como, por
exemplo, furar a fila, estacionar na vaga destinada ao idoso e até nas letras
de músicas com frases como “é devagar, é devagar, devagarinho” ou “deixa a vida
me levar”. “O problema principal e ainda mais grave é que o brasileiro enxerga
corrupção no Poder Público, mas não enxerga em seus pequenos hábitos. A maioria
julga de corrupto o político que leva parentes para ocupar cargos de confiança
no governo, mas contrataria familiares na própria empresa. Protesta nas ruas
pelo fim da corrupção, mas deve impostos, não paga seus funcionários, entre
outros”, alerta o especialista.
Como define o historiador Sergio Buarque no livro Raízes do
Brasil, o País possui uma raíz profunda e que causa grandes danos aos
brasileiros. É a cultura da cordialidade. Ela faz com que as pessoas sempre
coloquem exceções às regras e amenizem os problemas ao agirem com o
sentimentalismo. “É comum vermos, por exemplo, um aluno que estourou em faltas
nas aulas e depois vai até o professor chorar para que ele dê ‘um jeito’ de
ajudá-lo. Uma atitude que muitos não acham ruim”, comenta Niccoli.
Há solução?
Para
o cientista social, o quadro atual é crítico. Na sua opinião, para mudar o
Brasil seria preciso mexer com a base educacional, além do “sistema de privilégios”
e cita algumas alternativas.
Educação: transformar
o sistema educativo em um bem social e igualitário. Hoje, educação é um
privilégio, ferramenta de ascensão e mercadoria. Niccoli aponta que o pior erro
foi a reforma educativa que colocou história e ética como matérias optativas, o
que pode acabar com os valores sociais.
Gestão e governo: A educação igualitária permitirá que mais
pessoas superem a pobreza e levem novos valores às instituições. Hoje, a
educação é um divisor de classes sociais. Niccoli garante que uma boa base
educacional pode mudar também as empresas e o governo.
Imprensa: para o
especialista, a mídia brasileira contribui com a desonestidade por ser parcial
e vinculada a grupos econômicos. “A mídia brasileira (no geral) gera
autocensura, mas é corrupta. A solução é democratizar o acesso da mídia à
sociedade.”
Outros fatores
Uma distribuição de renda mais justa no Brasil pode melhorar o
contexto, mas não vai erradicar a corrupção nem a violência. “Menos
desigualdade não necessariamente significa honestidade generalizada. É uma
questão cultural”, diz Niccoli. Para ele, ações individuais de honestidade no
cotidiano ajudam a despertar o espírito coletivo. “Se esperarmos pelos
políticos nada acontecerá.”
Niccoli vê o período de crise política e econômica do Brasil como
uma chance para a população criar um senso crítico sobre corrupção, direitos
trabalhistas, acesso à educação e cobrar das autoridades. Ele conclui que a
prioridade deve ser pôr fim à sociedade de privilégios públicos e privados.
(Fonte: Folha Universal)